sexta-feira, 30 de maio de 2008

Desaparecimentos e Aparições

Há pessoas com quem te habituaste a falar na rua e que desaparecem de súbito como esses reflexos ocasionais do tráfego.

Em compensação, há as que não morrem nunca, ao que parece.

E, refletindo sobre isso, abanas a cabeça e suspiras...

Queres uma letra para o teu suspiro?
Aqui vai:
A morte é a única coisa incerta que existe.


Mario Quintana in Da Preguiça como Método de Trabalho

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Perversidade


Alarmar senhoras gordas é um dos maiores encantos
desta e da outra vida.
Mario Quintana in Sapato Florido

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Fatalidade

Em todos os velórios há sempre uma senhora gorda que, em determinado momento, suspira e diz:

- Coitado! Descansou...





Mario Quintana in Sapato Florido

sábado, 24 de maio de 2008

A invenção de um modo

Entre paciência e fama quero as duas,
pra envelhecer vergada de motivos.
Imito o andar das velhas de cadeiras duras
e se me surpreendem, explico cheia de verdade:
tô ensaiando. Ninguém acredita
e eu ganho uma hora de juventude.
Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa,
a menina disse: "Ora, isso é pras mulheres de São Paulo"
Fico entre montanhas,
entre guarda e vã,
entre branco e branco,
lentes pra proteger de reverberações
Explicação é para o corpo do morto,
de sua alma eu sei.
Estátua na Igreja e Praça
quero extremada as duas.
Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando,
vendo televisão,
ou tirando sorte com quem vou casar.
Porque tudo que invento já foi dito
nos dois livros que eu li:
as escrituras de Deus,
as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão.

Adélia Prado in Poesia reunida, p. 27)

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Hilda Hilst

... queria te falar do fardo quando envelhecemos, do desaparecimento, dessa
coisa que não existe mas é crua, é viva, o Tempo


A obscena senhora D, p.18.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Psicografia

No começo, as pessoas não acreditavam que era eu quem escrevia, por ser muito jovem e bonita. Diziam que não era possível essa mesma mulher escrever o que eu escrevia, achavam que era tudo psicografado.

Hilda Hilst - citada em
Literatura - A invenção do amor - "revista e" n. 45 - Portal SESCSP

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A sagrada face

Casimiro de Abreu, que não era santo,
mas que estava nos livros,
também ele dizia, como Jó,
como meu pai e como minha mãe diziam:
“um Ser que nós não vemos
é maior que o mar que nós tememos...”


Adélia Prado in Poesia reunida, p. 341

terça-feira, 13 de maio de 2008

Venho de Tempos Antigos

Deus pode ser a grande noite escura
E de sobremesa
O flambante sorvete de cereja.

Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso.

Venho de tempos antigos.
Nomes extensos:
Vaz Cardoso, Almeida Prado
Dubayelle Hilst... eventos.
Venho de tuas raízes, sopros de ti.
E amo-te lassa agora, sangue, vinho
Taças irreais corroídas de tempo.
Amo-te como se houvesse o mais e o descaminho.
Como se pisássemos em avencas
E elas gritassem, vítimas de nós dois:
Intemporais, veementes.
Amo-te mínima como quem quer MAIS
Como quem tudo adivinha:
Lobo, lua, raposa e ancestrais.
Dize de mim: És minha.

Hilda Hilst in Cadernos de Literatura Brasileira, Instituto Moreira Salles, 1999

sábado, 10 de maio de 2008

Onde?

Entre a ânsia
e a distância
onde me ocultar?

Entre o medo
e o multiapego
onde me atirar?

Entre a querência
e a clarausência
onde me morrer?

Entre a razão
e tal paixão
onde me cumprir?


Zila Mamede in Corpo a Corpo

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O mistério do perfume

Não aplique perfume na roupa. Você estragará ambos.
A roupa pode manchar. E o perfume termina por ficar muito cru e sem mistério.

O mais recomendado é passar o perfume na pele. Esta absorve-o, e o resultado é mais pessoal. Você ganhará um perfume que ninguém tem totalmente igual, pois nem todas têm sua pele, com seu odor próprio e com o seu grau de calor. Sua pele absorve o perfume e devolve-o com o acréscimo de você mesma. Daí em diante, o perfume não se chamará mais, digamos, "Me adorem por favor", mas passará a se chamar "O me adorem, por favor, da Maria" - isto na suposição de que uma de vocês se chame Maria.
Entre passar perfume na roupa e na pele, há uma diferença mais ou menos comparável àquela que existe entre um vestido pendurado no cabide e usado no corpo.

Clarice Lispector in Correio Feminino

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Vivendo, Amando e Aprendendo

Há pouco tempo tivemos um terremoto grave em Los Angeles, que afetou muito a minha casa. O teto da sala desabou e a lareira desmoronou. Ficamos sem água. De repente, aquilo nos ensinou o valor das coisas; mostrou-nos de novo que os objetos são tolos, e que só tínhamos a nós mesmos. Saí da casa quando tudo estava caindo em volta de mim. Amanhecia e havia um raio de luz aparecendo no céu. Tenho um grande pessegueiro no quintal dos fundos. Lá estava ele, todo em flor. E, de repente, numa fração de segundo, me ocorreu: Sabe, o mundo lindo vai continuar, com ou sem você, homem. E, quanto a mim, valeu o preço do terremoto, para que eu me lembrasse disso de novo.

Leo Buscaglia in Vivendo, Amando e Aprendendo

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Igual-desigual

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol
são iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todas as experiências de sexo
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 4 de maio de 2008

A bela adormecida


Estou alegre e o motivo
Beira secretamente a humilhação
porque aos 50 anos
não posso mais fazer curso de dança,
escolher profissão,
aprender a nadar como se deve
[...]
Eu fico tão atenta que adormeço,
a cada ano mais.
Sob juramento lhes digo:
tenho 18 anos. Incompletos.

Adélia Prado in Poesia Reunida, p. 324

sábado, 3 de maio de 2008

Cura de sono

Dormir é o melhor modo de se manter em forma. Não pense que o sono é tempo perdido: esse é um argumento que pessoas nervosas usam. Os que não querem se conformar com as regras do sono terminam por sentir algum desequilíbrio, em geral no sistema simpático, acusando injustamente fígado ou estômago.

Há vários modos de dormir mal.
O mais comum é o de ir acumulando, pouco a pouco e sem sentir, noites não muito bem dormidas e terminar sentindo-se mal, sem saber por que. Essa forma acumulativa de fadiga termina por fazer com que se instale no corpo e na alma um cansaço crônico, já mais difícil de combater.

Se você quiser, pode fazer uma cura de sono. Um mês, mais ou menos, desse tratamento - que é ao mesmo tempo uma cura de beleza - e você terá a impressão de que vem de longas férias.

O que fazer? Em primeiro lugar, corte o mais possível os compromissos noturnos muito demorados. Depois, tente levar uma vida sadia. Sobriedade é a palavra que resume essa vida sadia. Sobriedade na comida, sobriedade na bebida: ausência total de tóxicos, como álcool, café, cigarros. É necessário manter também higiene mental: aprenda a relaxar os nervos, a trancar os problemas antes de dormir. E a evitar discussões antes de ir para a cama.

Seu quarto deve ser arejado. Claro e ensolarado de dia, bem escuro à noite. Se você é friorenta, cubra-se com mil cobertores, mas não conserve a janela fechada.

Se seu quarto, de madrugada, é invadido pela claridade, durma com os olhos protegidos por uma máscara. (Você mesma poderá confeccioná-la, em cetim preto duplo com cordões de elástico.)

Os ruídos da rua ou da casa perturbam seu sono? Use algodão nos ouvidos, ou melhor, umas pequenas bolas de borracha que se encontram em boas casas de negócio.

A cura de sono deve ser natural, e não provocada por hipnóticos ou sedativos. Aprenda nesse tempo como dormir bem e nunca mais você esquecerá a lição.

Clarice Lispector in Correio Feminino

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O amanhecer... o fazedor... as ferramentas... os pensamentos... a invenção.


Quem não tem
ferramentas de pensar
inventa.


Manoel de Barros
in O Fazedor de Amanhecer

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Regras do jogo

Aprender as regras do jogo. Jogar seguindo as regras do jogo. Ganhar através das regras do jogo. E então trocar as regras do jogo.



Carly Fiorina, citada in "Deve Ser Bom Ser Você", de Sidney Rezende

 
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